terça-feira, 5 de agosto de 2008

Meu penhoar será sua herança: a vida e outros penduricalhos de Zoroástrea Glamour - capítulo 2

Zoraide Spanlkopatos, a célebre criadora de lagartixas de barriga amarela, alcançou a porta em segundos. Foi fácil: apesar de rápida, a porta geralmente corria em círculos, burra que era. Assim que segurou a maçaneta, soube o que a esperava do outro lado, depois de tanto tempo. Respirou fundo, ajeitou a sombrancelha esquerda, fez treze polichinelos e vinte flexões de braço e abriu.

O ar frio da noite gelou o suor em seu peito, mas foram os olhos de Zoroástrea que congelaram seu coração. Mais precisamente, os imensos cílios, que criavam uma pequena massa de ar polar cada vez que eram abanados. Convidou-a a entrar e pediu que esperasse enquanto colocava o coração no microondas por 2 minutos e dezessete segundos, na potência média.

Zoroástrea entrou, assustada com a decoração da sala de estar. De não estar pelamordedeus, no caso.

Com dois dedos em pinça e uma certa cara de nojo, afastou a toalhinha de crochê que estava sobre o braço da poltrona e sentou-se. Os gatos de louça, o rosa e o amarelo, continuavam sobre a estante, ao lado do galo, azul num dia úmido. As flores de plástico na mesinha de centro eram as mesmas: um antúrio e algumas margaridas sujas, além da folhagem, que lembrava uma samambaia fantasiada de mendiga, pronta pro carnaval. Ela já estava se levantando para esbarrar sem querer no relógio de parede com sons de passarinhos, quando sua anfitriã entrou com um suspiro, alguns quindins e duas taças de Chapinha Espumante Prosecco Premium.

Beberam e relembraram os bons tempos. Aqueles em que estiveram separadas, é claro. O tempo de casados tinha sido um inferno.

Já no final da madrugada, no quarto, após horas selvagens e descontroladas de dicas de maquiagem e decoração, Zoroástrea finalmente contou que veio porque precisava de ajuda: um de seus fãs a estava perseguindo desde a estréia de seu último filme e a única pista que tinha era uma antiga fita cassete que ele só poderia ter roubado de Zoraide.

Um comentário:

Ana Spin disse...

Dear: desconfio que este seja um dos melhores que você já escreveu. Adorei o tom da narração, os personagens, o exagero Fellini. Dá livro!!