Eu corria pela estrada de terra quase virando barro. Eu e a estrada. Meus pés limpos na lama, o dia quente, a chuva forte tentando furar minha pele. Meus braços contentes, o peito arfando, os pastos, as árvores, a vaca mocha que ainda tentava entender o que era aquele paletó enroscado na cerca que era o limite de seu mundo.
Eu ria e as gotas escorriam pelo meu rosto como lágrimas de uma felicidade que sempre esteve ali. Ao meu alcance e que eu jamais pude ver, através da cerca que me limitava: o medo, o amparo, a felicidade, a culpa e o perdão, todos os meus arames farpados.
Eu corria e deixava para trás tudo aquilo. O que ganhei, o que comprei, o que pedi. O que roubei. Os frutos de meu trabalho, de meu ventre, de minha sorte ou maldade. Deixava tudo: o escritório, a camisa, as calças, a vergonha.
Corria nu. O pudor eu tinha jogado junto com a pasta de documentos, assim que terminei de ler o testamento. Tudo que eu via agora era meu: a estrada, as vacas, as cercas, a vergonha, o mundo todo.
E Deus tinha assinado embaixo.
2 comentários:
Que lindo... Vai ter essa sintonia assim lá longe, viu.
Incrível, Tiago. Incrível.
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