quinta-feira, 31 de julho de 2008

Meu penhoar será sua herança: a vida e outros penduricalhos de Zoroástrea Glamour - capítulo 1

Olhou para o outro lado e também não viu ninguém. Saiu de trás das prateleiras de auto-ajuda e se escondeu sob o balcão. Abriu a gaveta das fichas de P a Z. Localizou o nome que procurava e anotou o endereço em um post-it que encontrou no colo da Hello Kitty sentada próxima ao teclado, olhando a avenca que crescia no parapeito. Seriam amigas? Esgueirou-se para fora.

Petrônio Seltzer, um razoavelmente simpático vendedor de amêndoas e anti-ácido, viu aquela figura exuberante saindo pela janela da biblioteca no meio da noite e imaginou que algo estranho estava acontecendo. Anotou a placa de seus sapatos plataforma e ligou para a polícia, denunciando cada um de seus acessórios e apetrechos como um atentado ao mau gosto. A voz de tédio que lhe respondeu disse que mandaria um carro imediatamente, colocou um dois de copas sobre um três de espadas e desligou.

Mas Zoroástrea era uma profissional. É claro que a placa era postiça, como todo o resto. Os cílios, peitos, unhas, a bunda. Falsa como sua bolsa Louis Vitton, seus óculos Prada, seu tubinho da Dona Marta, a melhor costureira do bairro, comprado na liquidação da C&A. Falsificada era até a maquiagem que escondia sua barba, que aliás era grudada com uma cola muito vagabunda.

Ela entrou em um táxi e entregou o papel com o endereço. Apolo Djaise, o motorista e deus grego das desculpas esfarrapadas, não conseguiu compreender os rabiscos. Zoroástrea se debruçou sobre o banco, tirou da bolsa algumas roupas sujas e aproveitou aquela barriguinha para esfregá-las. Leu o endereço muito perto do ouvido do rapaz, que não entendeu direito, mas resolveu sair assim mesmo, devido ao medo que estava de pegar a alavanca de câmbio errada.

O lugar era próximo e depois de cerca de uma hora e meia eles chegaram. Ela colocou os cabelos no lugar, retocou o rosto e saiu sem pagar. Por nada. Tocou a campainha e esperou, impassável.

Nenhum comentário: